quinta-feira, agosto 24, 2006

«Ler e escrever. Ler e reler. Ler e lembrar.»

«Ler e escrever. Ler e reler. Ler e lembrar.» Este era o mote de uma exposição organizada em 2001 e subordinada ao tema da literatura no feminino. «Mulheres do Século XX: 101 Livros», assim se chamava a exposição e o livro-catálogo publicado no âmbito desta iniciativa. A exposição, que esteve patente no Padrão dos Descobrimentos, tinha como principal atractivo uma instalação que convidava os visitantes a sentarem-se e a folhearem, a lerem, a descobrirem livros assinados por nomes, nacionais e estrangeiros, representativos da escrita e do pensamento femininos do século XX.
Foi ao terminar a minha visita a esta exposição que reparei nos livros associados a este projecto que se encontravam à venda no local: duas edições fac-similadas de duas conferências, Virginia Woolf — O Problema da Mulher nas Letras, de Manuela Porto, e Vidas que Foram Versos, de Teresa Leitão de Barros.

O texto de Manuela Porto, proferido na «Sociedade Nacional de Belas Artes» em 1947, foi editado pela Seara Nova nesse mesmo ano. Foi durante a «Exposição de Livros Escritos por Mulheres», organizada pelo Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas (cuja presidente era, à altura, Maria Lamas), que Manuela Porto leu publicamente o seu ensaio. Centrado, em particular, na obra Um Quarto que Seja Seu, de Virginia Woolf, a escritora portuguesa analisa com um olhar crítico as questões colocadas por Woolf.
Muito embora não esconda a forte impressão que a obra da autora inglesa lhe causou desde a primeira leitura, Manuela Porto consegue evitar o 'texto-elogio' e fazer um texto crítico. A questão fundamental colocada por Virginia Woolf, no livro aqui em causa, é exposta e retomada de forma muito clara por Manuela Porto: «... antes de mais nada o problema da mulher é um problema económico, de todo sempre o foi.» De facto, era-o na Inglaterra de Virginia Woolf e continuava a sê-lo no Portugal de Manuela Porto. A mulher, durante séculos, sem meios próprios, sem direito à posse, mantida no interior da casa, presa à condição quase irrevogável da maternidade, não tinha possibilidade de reunir as condições necessárias para uma vida dedicada à arte. As marcas desse passado são ainda visíveis ao percorrermos as histórias da literatura, da pintura, e de todas as outras artes.

Vidas que Foram Versos, conferência datada de 1930, é uma retrospectiva das mais importantes figuras femininas retratadas na literatura portuguesa. Mais uma vez, foi Maria Lamas quem promoveu o evento que acolheu a conferência de Teresa Leitão de Barros, o certame «Mulheres Portuguesas». Começando a sua análise com a poesia trovadoresca e chegando até ao século XIX, Teresa Leitão de Barros reflecte sobre o papel, ou, melhor dito, os papéis que foram sendo atribuídos à mulher ao longo da história da nossa literatura. Nas páginas de Teresa Leitão de Barros encontramos diferentes autores, diferentes correntes literárias e, naturalmente, diferentes construções do carácter e da figura femininos.
Em diálogo com o livro de Manuela Porto, este Vidas que Foram Versos permite chegar a uma irónica conclusão: pese embora o facto de as mulheres terem percorrido um longo caminho para garantir o seu lugar na literatura enquanto agentes, o seu lugar enquanto objecto sempre esteve garantido pelo espantoso número de obras escritas acerca da mulher e pela presença constante da mulher na literatura. Nos livros, elas eram adoradas ou odiadas, superiores ou inferiores, mas nunca estavam em pé de igualdade com a figura demiúrgica do poeta.

Manuela Porto, Virginia Woolf — O Problema da Mulher nas Letras (edição fac-similada), Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, 2001.

Teresa Leitão de Barros, Vidas que Foram Versos (edição fac-similada), Departamento de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, 2001.

Virginia Woolf, Um Quarto que Seja Seu, Vega, 3ª edição, s.l., 1996.

Nova edição:

Virginia Woolf, Um Quarto Só para Si, tradução e prefácio de Maria de Lourdes Guimarães, Relógio D’Água.

segunda-feira, agosto 21, 2006

Pedro Alecrim


António Mota, autor de uma já extensa e reconhecida obra dedicada aos leitores mais jovens, publicou Pedro Alecrim, romance vencedor do Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças em 1990.

Num Pragal ainda rural, Pedro Alecrim vive com a sua família. Todos os dias, Pedro vai para a escola, brinca e ajuda os pais no trabalho do campo. Não sendo um aluno brilhante, Pedro Alecrim gosta da escola, embora tenha pena que os professores não lhe expliquem porque é que as coisas são como são e que nem tudo o que aprenda lhe seja útil na sua vida fora da escola.
É no equilíbrio entre a ingenuidade e os sonhos de criança e a percepção, sempre latente, de que a vida reserva mais problemas e dificuldades do que uma longa caminhada para a escola em dia de temporal que vive Pedro Alecrim.

Sem cair numa escrita de pendor moralista, este livro conta, com simplicidade (a simplicidade de Pedro), uma história que nos faz reflectir sobre o tempo e sobre a necessidade de não desperdiçar aquilo que nos é dado, quando nos é dado (ao contrário do que faziam os meninos mimados na cantina da escola, diriam Pedro e o seu amigo Nicolau). António Mota consegue, sem perder coesão, contar a crianças e a adultos a história de um menino que viu a sua vida mudar depois da morte do pai e que soube lidar com novas e pesadas responsabilidades com uma naturalidade que talvez estivesse fora do alcance de um adulto.

Professor há vários anos, António Mota conhece bem a linguagem e o universo da literatura infantil e juvenil, sabendo, por isso, que é um erro subestimar a capacidade que as crianças têm de compreender as mensagens que os seus livros encerram. Este livro, embora especialmente destinado a um público mais jovem, pode e deve ser lido por todos, porque às vezes é muito fácil esquecermos aquilo que temos e aquilo que queremos.



Edição utilizada:
António Mota, Pedro Alecrim, ilustrações de Vítor Simões, 4.ª edição, Edinter, s.l., s.d.

Actualmente, Pedro Alecrim, bem como a restante obra de António Mota, é editado pela Gailivro.

quinta-feira, agosto 17, 2006

A edição de teatro: «Repertório Básico de Teatro»


O teatro não é um género literário preferido por muitos, o que aliás se pode comprovar ao percorrer o olhar por alguns estudos já realizados sobre os hábitos de leitura dos portugueses. Consequentemente, o teatro, a par de outros, como a poesia, não é um segmento rentável para as editoras nacionais. Facilmente se percebe, assim, que apostar na edição de textos desta natureza é um risco e que uma pequena editora não se pode dar ao luxo de pagar para ver. Tendo em conta que o panorama editorial português é maioritariamente constituído por pequenas e médias empresas, não será de estranhar que, quando comparado com outros segmentos, se publique pouco teatro no nosso país.

Apesar deste cenário pouco optimista, existem exemplos (bons exemplos) de editoras portuguesas que incluem, de forma consistente, o teatro nas suas linhas editoriais, como é o caso, apenas para referir algumas das mais conhecidas, da Relógio d’Água, da Dom Quixote ou da Cotovia, entre outras. Hoje, porém, a minha atenção vai para a colecção «Repertório Básico de Teatro» que faz parte do catálogo editorial da Colibri. Trata-se de uma coedição da Colibri com o Instituto Português das Artes e do Espectáculo, que, actualmente, e depois de uma fusão em 2003 com o Instituto de Arte Contemporânea, se denomina Instituto das Artes, e com a Delegação Regional da Cultura do Alentejo. A publicação desta colecção composta por dezasseis volumes iniciou-se em 1999 e abrange nomes absolutamente indispensáveis para compreender a história da literatura e, naturalmente, a história do teatro. Desde Plauto até Brecht, passando por Gil Vicente ou Molière, é traçado o percurso do teatro desde a antiguidade clássica até ao século xx. Para além do evidente valor literário e cultural destas edições, existe ainda uma particularidade que importa referir. Sendo, pelo menos em potência, uma colecção de interesse para o público em geral, ela dirige-se, não obstante, a um tipo de leitor em especial. Tal como é referido no prefácio que acompanha cada volume, este conjunto de textos é destinado a todos aqueles que se dedicam ao teatro amador. Como seria de esperar, ao público alvo não é alheia a concepção e organização de cada volume, uma vez que o texto dramático é acompanhado por uma nota introdutória que permite ao leitor, em primeiro lugar, contextualizar no tempo e no espaço a peça que se seguirá. Por outro lado, são dadas indicações e sugestões destinadas a encenadores e actores que se dediquem, justamente, ao teatro amador. Se é verdade que o teatro não tem tantos leitores como seria desejável, não é menos verdade que por todo o país existem grupos de teatro amador que saberão tirar o melhor partido de iniciativas como esta.

Como já referi, o primeiro título desta colecção foi editado em 1999, tendo sido publicados, até 2001, doze dos dezasseis títulos previstos. Até à data, e segundo a informação disponível no site da editora, não foram publicados os restantes quatro livros. Uma vez que já se passaram cinco anos desde a publicação dos títulos disponíveis, não será muito fácil encontrá-los nas livrarias. A melhor opção para quem estiver interessado em lê-los será encomendá-los no site da editora, dirigir-se a uma das livrarias da Colibri ou esperar por uma das cada vez mais frequentes feiras do livro que se vão organizando ao longo de todo o ano e um pouco por todo o lado, onde, se procurarmos bem, acabamos sempre por encontrar livros que nos interessam.


Lista de títulos:

1. Plauto, O Soldado Fanfarrão.
2. Anónimo francês do século xv, Farsa de Mestre Pathelin.
3. Gil Vicente, Quem Tem Farelos?
4. Ruzante, Falatório de Ruzante de Volta da Guerra.
5. Cervantes, O Velho Ciumento.
6. Molière, Esganarelo ou o Cornudo Imaginário.
7. Marivaux, O Preconceito Vencido.
8. Carlo Goldoni, Uma das Últimas Tardes de Carnaval.
9. Heinrich Von Kleist, A Bilha Quebrada.
10. Prosper Merimée, O Céu e o Inferno.
11. Almeida Garrett, Falar Verdade a Mentir.
12. Anton Tchekov, (texto a escolher).*
13. Raúl Brandão, O Doido e a Morte.
14. Brecht, A excepção e a regra.*
15. Sean O'Casey, O fim do princípio.*
16. Tankred Dorst, A grande imprecação diante das muralhas da cidade.*


http://www.edi-colibri.pt/teatro.html


* Títulos ainda não publicados

quarta-feira, agosto 16, 2006

Olho da letra

Olho da letra: artes gráficas. Desenho da letra em relevo, na parte superior do tipo, que se imprime no papel depois de receber tinta.


(Definição retirada de Dicionário Electrónico Houaiss da Língua Portuguesa, 2002.)