terça-feira, fevereiro 27, 2007

Camões



A presença de Luís de Camões nos manuais escolares faz torcer o nariz a muitos alunos, por antecipação precipitada de uma leitura difícil, perante o primeiro contacto com a sua obra. A par de tantos outros mitos criados à volta da vida do poeta, criou-se igualmente o mito de que a sua poesia será de difícil compreensão e demasiado distante para que possa fazer sentido no mundo de hoje, e para os homens e mulheres de hoje. Cada vez mais parece haver a tendência para desistir daquilo que não parece óbvio ou fácil. Aliás, este é um problema comum a outros autores, basta lembrar que ler (ou não ler) Os Maias é, aos olhos de muitos alunos do Ensino Secundário, uma “árdua tarefa”. Note-se, porém, que apesar de ter realçado a relação dos estudantes com a literatura, o que antes disse poder-se-á aplicar a outros leitores e, infelizmente, a muitos.

No sentido de ajudar a deitar por terra este tipo de preconceitos em relação a certos autores, é importante a edição de livros que nos aproximem da vida e obra dos nossos escritores e que, por conseguinte, nos estimulem a conhecê-los mais e melhor.

Camões, Poeta pelo Mundo em Pedaços Repartido, da autoria do investigador e editor da obra camoniana Aníbal Pinto de Castro, é um breve, mas abrangente estudo sobre Luís de Camões. Afirma Maria José Stock na «Nota Prévia»: “É difícil que um pequeno volume possa conter mais diversificada informação sobre a vida e obra de Luís de Camões.” Na verdade, seria impossível um livro, ainda que de proporções maiores, esgotar o assunto. Não obstante, este volume apresenta características que lhe permitem chegar a um público que faz agora uma primeira abordagem à obra camoniana, não deixando, ainda assim, de se revelar útil a leitores um pouco mais informados. Trata-se sobretudo de um trabalho de divulgação que contém sintetizados, “em linguagem simples e clara” (p.2), aspectos fundamentais para a compreensão do complexo – mas não inacessível – universo camoniano.

Aníbal Pinto de Castro começa por fornecer dados biográficos, alertando para a necessidade de separar aquilo que é do domínio da lenda e aquilo que é a realidade histórica. Num segundo momento, todavia, a reflexão do autor centra-se na obra camoniana. Apesar de, como já disse, se tratar de um pequeno ensaio, há também espaço para fazer algumas considerações sobre os problemas que se colocam na área da crítica textual e para esclarecer o leitor quanto ao ponto em que, à data da escrita, estava a investigação e edição da obra de Camões. No entanto, mais detalhada é sem dúvida a análise de códigos estéticos e de temas que dominam o espírito criador de Camões.

Merecedores de destaque são os elos de ligação que o autor estabelece entre as criações camonianas pertencentes aos diferentes géneros. As comparações por ele estabelecidas permitem ter uma noção exacta das características mais importantes de uma tão vasta obra e daquilo que a une e que a remete para um só sujeito criativo, ainda que com toda a complexidade inerente ao ser humano. Complementarmente, fornecem pistas de leitura clarificadoras da relação entre vida e obra, que foi tão acentuada ao longo do texto.

Finalmente, Pinto de Castro termina o seu texto traçando um quadro que permite ao leitor compreender que projecção teve a obra camoniana no futuro, ou seja, de que forma Camões foi recebido por movimentos culturais e correntes estéticas posteriores e o que contribuiu para a valorização ou, pelo contrário, desvalorização, de determinados aspectos em detrimento de outros, em certos momentos.

O único aspecto em que me parece que esta edição falha é na ausência de uma bibliografia, activa e passiva, que guie o leitor na continuação do estudo de Camões. Cumprindo este livro o seu papel de divulgador, é de esperar que aqueles que o leiam (senão todos, pelo menos alguns) queiram ler Camões com outros olhos.


Aníbal Pinto de Castro, Camões, Poeta pelo Mundo em Pedaços Repartido, 1.ª edição, Instituto Camões, Lisboa, 2003.

domingo, fevereiro 25, 2007

Ler Clarice




Ler Clarice Lispector faz-nos querer atrasar a leitura com medo de chegar ao fim do livro, só para prolongar as horas em que nos sentamos e pegamos no livro para mais uma conversa.

Nenhuma escritora consegue como ela perscrutar, de forma tão cruel, mas tão natural, a vida aparentemente comum e a vida escondida dentro cada um de nós. Clarice é uma decifradora que escreve o que julgávamos impossível de materializar em palavras, parecendo, no entanto, dizer-nos que os nossos segredos estão bem guardados com ela.

Tal como escreve num dos seus contos, «Tempestade de Almas»: “Só posso escrever se estiver livre, e livre de censura, senão sucumbo. (...) Aliás eu só sei em todas as circunstâncias ser íntima ...”*

Em Portugal, a maior parte da obra de Clarice Lispector até hoje publicada tem a chancela da editora Relógio D’Água. No ano passado, surgiu uma nova edição do livro de contos Laços de Família, incluída na colecção Curso Breve de Literatura Brasileira, da editora Cotovia, e com posfácio de Carlos Mendes de Sousa. Existe também um livro de crónicas editado em 2004 pela Indícios de Oiro: A Descoberta do Mundo. Todavia, os livros para crianças desta escritora ainda não mereceram a atenção das nossas editoras.

* Clarice Lispector, Contos, Relógio D’Água Editores, Lisboa, 2006, p.273.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Lembrar Zeca Afonso




No dia em que passam 20 anos sobre a morte de Zeca Afonso, o músico português é aqui lembrado através da sugestão de leitura da sua biografia, José Afonso. Um olhar fraterno, assinada por João Afonso dos Santos e editada pela Caminho em 2002.

sábado, fevereiro 17, 2007

Duas sugestões de leitura














Aproveitando o fim-de-semana e a folga do Carnaval, deixo aqui duas sugestões de leitura. Duas, porque quando li o segundo livro, já este ano, me lembrei do outro, lido o ano passado. Trata-se de dois livros pertencentes, ambos, à literatura do fantástico.


Seguindo um critério cronológico, o primeiro livro é de autoria de Stefan Grabinski, autor polaco, que escreveu publicou no início do século XX (em 1919) O Demónio do Movimento. Este conjunto de contos, entre nós editado pela primeira vez muito recentemente, em 2003, foi traduzido por Maria José e Wojciech Charchalis. Uma vez que se trata de um autor pouco conhecido, é de todo o interesse que, antes de iniciar a leitura dos contos, se leia o epílogo de Wojciech Charchalis, para que se possa ter uma noção mais exacta do contexto literário e também para que se conheça melhor a vida e obra de Stefan Grabinski.
O segundo livro cuja leitura gostaria de sugerir é de publicação mais recente. Biblioteca, de Zoran Živković, editado em 2002, chegou até nós pela mão da Cavalo de Ferro em 2005.

O motivo pelo qual falo destes dois livros conjuntamente é o facto de, tanto um como outro, terem algo em comum. Na verdade, ambos os autores resolveram pegar num elemento e explorá-lo ao num conjunto de histórias, tratando-o sob diversas perspectivas, sempre de forma surpreendente e inusitada. Em O Demónio do Movimento, é o comboio o elemento escolhido como centro e obsessão de todos os contos: as carruagens, a mecânica, o som, os carris, os movimentos de partida, chegada e de passagem envolvem as personagens levando-as a agir impulsionadas pelo espanto, o desespero ou simplesmente numa espécie de comportamento compulsivo mas que, simultaneamente, tem algo de resignado, como se não tivesse ao seu alcance mudá-lo de alguma forma.

Em Biblioteca, encontramos seis histórias que se debruçam e exploram o tema da bibliofilia das mais diversas e inesperadas maneiras. Livros que em si contém uma biblioteca, bibliotecas virtuais que dispõem de todos os livros (mesmo daqueles que ainda não foram escritos), a tranformação do inferno numa biblioteca, nestes contos tudo é possível. Não obstante, tão curioso quanto os cenários criados por Zoran Živković são os comportamentos das várias personagens perante as diferentes bibliotecas que visitam ou que chegam até elas: desde a admiração, a incredulidade até a uma aceitação passiva a tudo o que assistem, todos os tipos de reacções se encontram perante estas seis bibliotecas tão peculiares.

Depois de lermos O Demónio do Movimento e Biblioteca, resta-nos esperar que a tradução para português destes autores não se fique por estes dois volumes e que, brevemente, possamos ver outros livros seus nas nossas livrarias.

Stefan Grabinski, O Demónio do Movimento, Tradução de Maria José e Wojciech Charchalis, 1.ª edição, Cavalo de Ferro, Lisboa, 2003.

Zoran Živković, Biblioteca, tradução de Arijana Medvedec, 1.ª edição, Cavalo de Ferro, Lisboa, 2005.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Na escola




O livro de que falo hoje não chegou às leituras em progresso, porque me foi dado hoje e lido entre aulas. Mas talvez deva explicar melhor o contexto em que foi feita esta leitura. Há mais ou menos uma semana atrás, lançaram-me um desafio na escola onde dou aulas de música. Fui informada de que todos os anos, por altura da Páscoa, se realiza um encontro entre os alunos da escola e escritores convidados para falarem da sua obra e, também, para assistirem a uma interpretação de um dos seus livros. Ora, precisamente, o desafio que me foi colocado foi preparar com os meus alunos uma pequena encenação, envolvendo, claro, a disciplina que lecciono para dramatizar a história que terei de adaptar para o efeito. Prontamente, sem pensar duas vezes, aceitei a tarefa com entusiasmo. Julgo que o incentivo à leitura aliado ao estímulo da criatividade das crianças, que me parece, às vezes, precisar de ser espicaçada (quando se lê pouco o nosso cérebro torna-se preguiçoso), deve ser uma constante no ensino e na educação, na escola e em casa.

O livro foi-me entregue de manhã e a curiosidade não me deixou chegar a casa com o livro por ler. Memórias de um cavalinho de pau, de Alexandre Parafita, foi publicado pela Texto Editores, pertencendo a uma colecção lançada no final do ano passado intitulada Colecção de Literatura Infantil Júnior. A edição desta colecção, segundo se pode ler no site da Texto Editores, tem como objectivo responder às orientações do Plano Nacional de Leitura, sendo os livros agrupados em três níveis, de acordo com princípios didácticos relacionados com a idade e o grau de escolaridade dos leitores. Importa também dizer que os títulos pertencentes a esta colecção são assinados por autores de mérito reconhecido na literatura infantil: Alexandre Parafita, José Fanha, José Jorge Letria, Begoña Oro, Daniel Nesquens e Marta Fernández-Rañada.

Memórias de um cavalinho de pau conta a história de uma descoberta e será, penso eu, um texto que os meus alunos e eu muito gostaremos de recriar, esperando eu poder conduzir a sua curiosidade natural para que eles possam fazer as suas próprias descobertas.
Na casa do avô, no Alto Douro, um menino encontra um brinquedo cheio de histórias para contar e que o ajuda a compreender algo de que o menino ouvia o avô falar mas cujo significado desconhecia: as suas raízes. Este cavalo de pau, passado de geração em geração, é uma caixa de recordações de tempos passados e é, simultaneamente, um elo de ligação entre o passado e o presente, funcionando como a memória de algo que tão facilmente se pode perder no tempo. Afinal, é no passado que começa sempre a nossa história.
Paralelamente, esta narrativa é, igualmente, um esforço (bem sucedido, de resto) de reavivar as nossas raízes literárias, se posso dizer assim. Certos elementos escolhidos (a casa, ou o próprio o cavalo como símbolo do brinquedo tradicional), as ilustrações de Bruno Santos, as histórias contadas, ou até mesmo o simples facto de haver uma personagem que conta uma história a outra, vão certamente beber à nossa literatura de tradição oral. É fundamental não perder a sensibilidade para ensinar e para aprender através da passagem de um testemunho cultural tão importante como este.


quinta-feira, fevereiro 08, 2007

«Casa da Leitura»

A partir de sexta-feira, estará disponível o site www.casadaleitura.org, destinado a promover a leitura junto das crianças e adolescentes. Este projecto, da responsabilidade do Serviço de Educação e Bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, poderá ser uma mais-valia para o público mais jovem e também para todos aqueles que se interessam ou que trabalham com a literatura infantil e juvenil.


Mais informação online sobre este assunto aqui

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Cinema e Literatura




Estreou a semana passada nas salas de cinema portuguesas o filme Little Children, em português Pecados Íntimos. O filme, realizado por Todd Field, é uma adaptação de uma obra homónima do escritor Tom Perrota, livro que agora vou procurar ler com uma dupla intenção: em primeiro a lugar a de conhecer o autor e, em particular, este romance, e em segundo lugar a de fazer a inevitável comparação com a outra obra que nele teve origem.

Curiosamente, a voz do narrador, elemento mais comum na narrativa escrita, é transposta para a adaptação cinematográfica, muito embora se vá fazendo ouvir cada vez menos, à medida que caminhamos para o final desta história. É esta voz que, no início do filme, nos apresenta as personagens para além do que elas aparentam ser.
Toda a acção do filme se desenrola num típico bairro suburbano da América, habitado por famílias aparentemente normais, como se cada pessoa não fosse mais do que aquilo que dela se vê e ouve num contexto de convívio (ou talvez seja mais correcto usar o termo coabitação, por ser uma palavra de sentido mais neutro) social.
Seriam, realmente, famílias compostas por pessoas que poderíamos até considerar banais não fosse o facto de a personalidade de cada um, aquilo que torna cada uma das personagens de algum modo particular e singular, se diluir naquela vida de aparências, de conversas ocas enquanto vêem os filhos brincar no parque. E este perder-se a si próprio naquilo que identificamos como sendo o outro mas que não somos nós resulta numa procura que nem sempre é conduzida pelo bom senso.
Mas uma busca que não é conduzida pelo bom senso não é necessariamente uma busca inútil. Pelo contrário, para as personagens deste filme, as lutas de cada um, diferentes é verdade, são radicais, no sentido em que lutam para descobrir a raiz de alguma coisa que perderam, ou que sabem que precisam de encontrar. Noutros casos, porém, a luta faz-se para reprimir e tentar escapar a um erro (que devemos considerar no sentido de desvio ou falta, e não de engano) de matriz psicológica que interfere na convivência com o outro e que dá origem a uma diferenciação, mais ou menos generalizada, pela negativa.

A dada altura, numa troca de opiniões entre mulheres pertencentes a um clube de leitura, a propósito das diversas leituras que haviam feito do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, gera-se uma interessante discussão entre duas personagens. Nesta troca de palavras, uma delas representa, através da sua opinião fechada e impermeável a novas ideias, uma sociedade puritana. Sarah, que defende a complexidade de Emma Bovary, oferece-nos, julgo eu, a ideia que define o filme (e o livro?). Todas as procuras, todas as lutas de que falei antes são, afinal, fundamentais, porque guiadas pela «fome»: os seus actos, os de Madame Bovary e os das pessoas que acompanhamos no filme, são guiados pela fome de saber que deve haver mais qualquer coisa que nos está vedada, seja por que motivo for.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Fundo Antigo da FCUP

Fiquei a saber da notícia por intermédio de outro blogue, o Assim Mesmo. O Fundo Antigo da Faculdade de Ciências do Porto foi digitalizado e encontra-se disponível online. Eu já visitei o site, vi páginas de alguns livros e, de facto, o número e a qualidade das obras digitalizadas é impressionante. Este acervo pode ser visitado aqui e passará a fazer parte também da minha lista de links.