Disse, há uns tempos, que a poesia passaria a estar mais presente no Olho da Letra. A partir de agora deixarei aqui os poemas e os poetas que vou descobrindo (ou redescobrindo).
Hoje, é um poema da holandesa Anna Enquist que aqui fica. Anna Enquist (1945), pseudónimo escolhido por Christa Widlund-Boer, viu o seu primeiro livro de poemas, Soldatenliederen (título que poderá ser traduzido em português como “canções de soldados”), publicado em 1991. Embora a maior parte da sua obra seja dedicada à poesia, é também autora de romances. Alguns dos seus livros já foram traduzidos entre nós (O Segredo e A Obra-prima), mas ainda não conheço a Anna Enquist romancista.
Descobri o poema “Mentiras em tempo de Groselhas” numa antologia de poesia neerlandesa, editada pela Assírio & Alvim. Uma Migalha na Saia do Universo reúne poemas belgas e holandeses do século XX, numa selecção de Gerrit Komrij. Se tiverem oportunidade, vale a pena lerem este livro, a começar pela introdução de Gerrit Komrij. Uma vez que esta é uma edição bilingue, aqui fica o poema de Anna Enquist em neerlandês e em português.
Leugens in Bessentijd
Welke constructie is steviger, heeft langer
standgehouden. En hoe meer er wonen, hoe
minder je wegkomt. Waarheen. Het verlangen
is een zomerhuis zonder kookplaats en zonder
geschiedenis. Hier ben ik omdat ik hier ben.
Vannacht was ik wakker, het waaide, regen
striemde de kastanje terwijl het al licht werd,
de nacht had geen rust gebracht. Ik wist
wel hoe dat zat, ging slapen en ontwaakte
in een stille morgen, wit van verdriet.
Men kan niet blijven zeuren. De pruimen
ploffen rottend van de bomen, in de koude
tuin worden de kleuren snel ouder. Alles er-
varen zonder verdoving, pannen klaarzetten en
suiker, archieven beheren, scherven bewaren.
Mentiras em tempo de groselha
Que construção é mais sólida, se aguentou
mais tempo. E quantos mais aí moram, menos se
a consegue abandonar. Para onde. Anseia-se
por uma casa de Verão sem um fogão e sem
história. Estou aqui porque estou aqui.
Esta noite estive acordada, fazia vento, chuvas
fustigavam o castanheiro, enquanto já vinha o dia,
a noite não tinha trazido paz. Eu sabia
como eram as coisas, fui dormir e acordei
numa manhã de silêncio, lívida de tristezas.
Não se pode continuar com lamúrias. As ameixas
baqueiam podres das árvores, no frio
quintal as cores envelhecem velozes. Experi-
mentar tudo sem anestesia, pôr a postos as panelas e
o açúcar, gerir os arquivos, guardar os cacos.
Uma Migalha na Saia do Universo, selecção e introdução de Gerrit Komrij, tradução de Fernando Venâncio, Assírio & Alvim, Lisboa, 1997.
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