Não me recordo já ao certo onde nem quando li pela primeira vez o nome de Leopoldo Alas. Julgo que terá sido no prefácio ou na introdução de algum outro livro que terei lido. Sei, no entanto, que registei o nome do autor e do seu romance La Regenta com o intuito de o ler, mais tarde. Entre nós, A Regenta foi publicado pela editora Terramar. Raramente, porém, se encontra este livro, a não ser nas ditas feiras de livros manuseados. Como achei que seria uma boa oportunidade de aprender mais qualquer coisa, predispus-me a ler o romance na língua em que foi escrito. Ainda assim, pensei que talvez fosse mais prudente habituar-me à escrita de «Clarín» antes de avançar com a leitura de La Regenta. Por isso, decidi ler primeiro os seus contos.
Um dos contos que mais interesse me suscitou foi «Un Jornalero», que, segundo uma nota do editor, terá sido publicado em 1893, incluído num livro de contos intitulado El Señor y lo demás son cuentos. «Un Jornalero» é uma narrativa que, fundamentalmente, se centra sobre o encontro conflituoso entre dois mundos opostos.
Fernando Vidal (o «jornalero» que dá título ao texto) dedica as suas tardes e noites àquela que considera ser a obra, sempre inacabada, da sua vida. Todos os dias, depois das quatro da tarde, e até à noite, ia Vidal para a biblioteca, já fechada ao público, para se dedicar ao trabalho que fazia, não por obrigação, mas quase que por missão. Era assim, solitário e debruçado sobre os volumes da biblioteca, que Vidal examinava antigos códices, tentando ler e pôr a descoberto o que outros não tinham sido capazes de ler ou sequer de procurar.
Mas o que este conto tem de especial reside no seguinte: Fernando Vidal, um homem anónimo (repare-se que o título é «Un Jornalero» e não «Lo Jornalero») e que, aparentemente, nada tem de particular, ao repetir uma actividade quotidiana (muito embora essencial), vê-se, pelo acaso, envolvido em algo que, a seu ver, em nada lhe diz respeito e que não compreende totalmente. Vidal é um homem inteiramente devotado ao trabalho intelectual. Na verdade, este trabalho de pesquisa e de investigação desenvolvido na biblioteca durante a noite é a sua vida, daí que, antes, o tenha adjectivado de “essencial”.
Quando a biblioteca é invadida por um grupo de revolucionários, Vidal não é capaz de deixar o seu trabalho para trás e interpelado pelos homens que ameaçavam a sua vida e a existência da sua fonte de trabalho, a biblioteca, Vidal articula um discurso de defesa, onde a sua obra é colocada por ele nos seguintes termos:
“Éramos tres, mi madre, el trabajo y yo. Hoy ya velamos solos yo y mi trabajo. No tengo más familia. Pasará mi nombre, morirá pronto el recuerdo de mi humilde individuo, pero mi trabajo quederá en los rincones de los archivos, entre el polvo, como un carbón fósil que acaso prenda y défuego algún día, al contacto de la chispa de un trabajador futuro..., de otro pobre diablo erudito como yo que me saque de la oscuridad y del desprecio...” (p.110)
É, justamente, o confronto de argumentos, entre aqueles que querem oito horas de trabalho e o erudito que afirma que não as pede, pois oito horas nunca poderiam ser suficientes para desenvolver a tarefa que tem em mãos, que torna este conto tão particular. A veemência com que a personagem principal defende a biblioteca e, nas suas palavras, a neutralidade das obras que aí se encontram depositadas («La ciencia es imparcial, la historia es neutral ... aquí hay de todo.» p.106), quando defrontado com reivindicações de natureza pragmática, sugere que o conceito de igualdade é um conceito que não tem tendência a excluir, antes a incluir.
Leopoldo Alas, «Clarín», Cuentos, edição de José María Martínez Cachero, 1.ª edição, Nuevas Ediciones de Bolsillo, s.l., 2002.
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