O terceiro volume da colecção “A Biblioteca de Babel” reúne dez contos de Giovanni Papini, autor esquecido que Jorge Luis Borges recupera também do seu próprio esquecimento.
Diz-nos Borges na introdução a O Espelho que Foge: “À semelhança de Poe, que foi sem dúvida um dos seus mestres, Giovanni Papini não pretende que os seus contos fantásticos pareçam reais. O leitor sente desde o início a irrealidade do ambiente de cada um deles.” De facto, as situações que servem de cenário a cada história não cabem naquilo que identificamos como sendo plausível na nossa realidade. No entanto, os temas abordados nestes contos não nos podiam ser mais próximos: a identidade, o tempo, a vida e a morte equacionadas a partir destes dois vectores fundamentais.
O equilíbrio conseguido entre esta irrealidade e as personagens que não poderiam viver “fora da ficção que sucessivamente vão animando” (ainda usando as palavras de Borges) e as questões já identificadas poderá ser delicado, mas o resultado não deixa de ser extraordinário. E esta eficácia é conseguida sobretudo pela inquietação, que por seu turno é provocada pela percepção de que, neste livro, são abordadas ideias sobre a identidade, sobre a passagem do tempo e sobre a morte que a todos, mais ou menos fugazmente, já passaram pela cabeça, mas que raramente encontramos escritas de forma tão directa, aspecto para que muito contribuirá a escolha do conto como forma de apresentar a narrativa. Caso paradigmático do que falo será o conto “Não quero mais ser aquilo que sou”, em que o narrador compreende que nunca poderá ser outro que não ele e que nunca poderá viver outra vida que não a sua.
Não se pode, julgo, dizer que a perspectiva adoptada por Papini nos seus contos seja pessimista, dever-se-á antes falar de melancolia, seguindo Borges. Mas penso, igualmente, que poderemos falar de aceitação a propósito da forma como Papini aborda os temas de eleição destes seus contos. Porém, não é uma aceitação fatalista, no sentido de que as coisas são como deveriam ser. Há antes uma aceitação no sentido da compreensão de que as coisas são como são (mas, o que são?) e que funciona com ponto de partida para a desconstrução da realidade, obviamente, através do fantástico. Ainda assim, note-se que esta tentativa de perceber o que cada um é e o que é a vida não resulta numa reflexão plácida. Pelo contrário, os caminhos a que essa busca conduz revelam-se, por vezes, de forma dolorosa, senão leiam-se, por exemplo, os contos “A última visita do Cavalheiro Doente” ou “Quem és tu?”. Aqui é colocada em xeque a identidade e, consequentemente, a existência de cada um e de todos como algo que não está na nossa posse, transitando a propriedade daquilo que somos para outros (visíveis ou invisíveis) dos quais não só depende a nossa existência, mas que também fazem de nós o que somos. Por outro lado, em “O espelho que foge” é a própria vida que é vista à luz do absurdo.
Em relação aos contos reunidos neste volume, é difícil, senão injusto, destacar um ou outro, uma vez que eles compõem um conjunto bastante homogéneo, fazendo d' O Espelho que Foge um título que não deve passar despercebido dentro d’ “A Biblioteca de Babel”.
3 comentários:
Também li o livro recentemente. É uma obra fantástica que nos há-de acompanhar a vida toda. É impossível ficar-lhe indiferente.
Já agora os meus parabéns pelo excelente blog que tens.
Ana Maria
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O que um bom post. Eu realmente gosto de ler esses tipos ou artigos. Eu não posso esperar para ver o que os outros têm a dizer.
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