Havia na minha escola primária uma pequena biblioteca onde éramos levados todas as semanas para escolher um livro que levávamos connosco e líamos em casa. Algumas das crianças, não vale a pena estar com idealismos face ao passado, liam só aquele livro que levavam da escola, mas pelo menos aquele, que podiam escolher entre os outros, liam. Era assim nos primeiros anos de escola, mas isto já foi há tanto tempo que não me lembro de todos os livros que havia na escola. Não eram muitos, devo dizer, até porque quando falo da «biblioteca» da escola, falo, na verdade, de um armário com prateleiras cheias de livros e nada mais. Mas era, ainda assim, uma biblioteca: era um lugar onde os livros eram partilhados e onde a leitura era incentivada, enquanto escolha livre. Era, portanto, uma biblioteca.
Dizia que não me lembro de todos os livros que a escola tinha, mas lembro-me de dois em particular, porque eram escolhas frequentes que eu lia e relia vezes sem conta: O Coelho Barafunda e O Romance da Raposa. O primeiro livro que escolhi (embora não tenha sido o primeiro que li), e disto lembro-me muito bem, foi O Coelho Barafunda, de José Barata Moura, com ilustrações de Luiz Duran. Abrindo com o tão conhecido Fungágá da Bicharada, são contadas neste livro várias histórias, em verso, sobre animais que afinal são muito parecidos com as pessoas, para o bem e para o mal. Li-o e reli-o, mas nunca o consegui encontrar, mais tarde, em nenhuma livraria.
O livro faz parte de uma colecção intitulada Pássaro Livre, editada pela Livros Horizonte, durante os anos 70 e 80. Não sei se a editora ainda mantém esta colecção (não consegui descobrir no site), mas se de facto ainda existir, naturalmente, não terá o mesmo aspecto gráfico que os livros publicados há quase três décadas.
Depois de muitos anos à procura deste livro, e de outros desta colecção, voltei a encontrar, o ano passado, na montra de uma livraria em Lisboa, de que infelizmente não me lembro o nome, vários títulos que de imediato reconheci. Consegui finalmente voltar a levar para casa O Coelho Barafunda, uma 2.ª edição de 1979, com a espantosa tiragem de 14 100 exemplares, e decidi ler também O senhor-que-naõ-sabia-contar-histórias, de Carlos Pinhão, com ilustrações de Ana Duarte de Almeida. Já este ano, encontrei novamente a colecção numa feira de livros novos e usados no Mercado da Ribeira. A escolha foi, desta feita, para Helena e a Cotovia, um verdadeiro manual de educação ambiental em forma de conto infantil, escrito por Sidónio Muralha e ilustrado por Fernando Lemos. Se os exemplares que vi eram usados ou não, não sei, mas as folhas amarelecidas dizem-me que, pelo menos, estiveram guardados durante muito tempo, o que é pena.
Passando os olhos apenas pelas capas, encontramos nomes como Sidónio Muralha, Manuela Bacelar, ou Matilde Rosa Araújo, entre muitos outros que seriam, por si só, um indicativo da qualidade desta colecção dedicada às crianças. Para além do valor afectivo que tem para mim e do valor literário e didáctico que podemos apreender pela sua leitura, esta colecção é também, por vezes, reflexo da época em que foi publicada. Extraordinariamente, no entanto, a marca do tempo da escrita não transforma estas obras em peças de museu que apenas servem como documento ou curiosidade. Longe disso. O valor didáctico e literário que lhes atribuo é válido hoje e, estou certa, será válido no futuro. As histórias contadas nestes livros são um convite à liberdade criativa e ao exercício do espírito crítico, objectivo que, na minha opinião, é mais do que nunca relevante na literatura infantil se não quisermos que os valores estatísticos relativos à leitura no nosso país sejam cada vez mais baixos. Mas este é um assunto que daria uma longa, longa história, não tanto para crianças, mas para os pais.
Livros da colecção Pássaro Livre aqui mencionados:
José Barata Moura, O Coelho Barafunda, ilustrações de Luiz Duran, 2.ª edição, Livros Horizonte, 1979, Lisboa.
Carlos Pinhão, O senhor-que-não-sabia-contar-histórias, ilustrações de Ana Duarte de Almeida, Livros Horizonte, 1984, Lisboa.
Sidónio Muralha, Helena e a Cotovia, ilustrações de Fernando Lemos, Livros Horizonte, 1979, Lisboa.
2 comentários:
E eu estava lá. Contigo :)
E quem mais poderia estar, senão a ilustríssima amiga que partilha comigo o entusiasmo destes reencontros com a literatura infantil? :)
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