domingo, outubro 29, 2006

Colecção Pássaro Livre


Havia na minha escola primária uma pequena biblioteca onde éramos levados todas as semanas para escolher um livro que levávamos connosco e líamos em casa. Algumas das crianças, não vale a pena estar com idealismos face ao passado, liam só aquele livro que levavam da escola, mas pelo menos aquele, que podiam escolher entre os outros, liam. Era assim nos primeiros anos de escola, mas isto já foi há tanto tempo que não me lembro de todos os livros que havia na escola. Não eram muitos, devo dizer, até porque quando falo da «biblioteca» da escola, falo, na verdade, de um armário com prateleiras cheias de livros e nada mais. Mas era, ainda assim, uma biblioteca: era um lugar onde os livros eram partilhados e onde a leitura era incentivada, enquanto escolha livre. Era, portanto, uma biblioteca.

Dizia que não me lembro de todos os livros que a escola tinha, mas lembro-me de dois em particular, porque eram escolhas frequentes que eu lia e relia vezes sem conta: O Coelho Barafunda e O Romance da Raposa. O primeiro livro que escolhi (embora não tenha sido o primeiro que li), e disto lembro-me muito bem, foi O Coelho Barafunda, de José Barata Moura, com ilustrações de Luiz Duran. Abrindo com o tão conhecido Fungágá da Bicharada, são contadas neste livro várias histórias, em verso, sobre animais que afinal são muito parecidos com as pessoas, para o bem e para o mal. Li-o e reli-o, mas nunca o consegui encontrar, mais tarde, em nenhuma livraria.

O livro faz parte de uma colecção intitulada Pássaro Livre, editada pela Livros Horizonte, durante os anos 70 e 80. Não sei se a editora ainda mantém esta colecção (não consegui descobrir no site), mas se de facto ainda existir, naturalmente, não terá o mesmo aspecto gráfico que os livros publicados há quase três décadas.

Depois de muitos anos à procura deste livro, e de outros desta colecção, voltei a encontrar, o ano passado, na montra de uma livraria em Lisboa, de que infelizmente não me lembro o nome, vários títulos que de imediato reconheci. Consegui finalmente voltar a levar para casa O Coelho Barafunda, uma 2.ª edição de 1979, com a espantosa tiragem de 14 100 exemplares, e decidi ler também O senhor-que-naõ-sabia-contar-histórias, de Carlos Pinhão, com ilustrações de Ana Duarte de Almeida. Já este ano, encontrei novamente a colecção numa feira de livros novos e usados no Mercado da Ribeira. A escolha foi, desta feita, para Helena e a Cotovia, um verdadeiro manual de educação ambiental em forma de conto infantil, escrito por Sidónio Muralha e ilustrado por Fernando Lemos. Se os exemplares que vi eram usados ou não, não sei, mas as folhas amarelecidas dizem-me que, pelo menos, estiveram guardados durante muito tempo, o que é pena.

Passando os olhos apenas pelas capas, encontramos nomes como Sidónio Muralha, Manuela Bacelar, ou Matilde Rosa Araújo, entre muitos outros que seriam, por si só, um indicativo da qualidade desta colecção dedicada às crianças. Para além do valor afectivo que tem para mim e do valor literário e didáctico que podemos apreender pela sua leitura, esta colecção é também, por vezes, reflexo da época em que foi publicada. Extraordinariamente, no entanto, a marca do tempo da escrita não transforma estas obras em peças de museu que apenas servem como documento ou curiosidade. Longe disso. O valor didáctico e literário que lhes atribuo é válido hoje e, estou certa, será válido no futuro. As histórias contadas nestes livros são um convite à liberdade criativa e ao exercício do espírito crítico, objectivo que, na minha opinião, é mais do que nunca relevante na literatura infantil se não quisermos que os valores estatísticos relativos à leitura no nosso país sejam cada vez mais baixos. Mas este é um assunto que daria uma longa, longa história, não tanto para crianças, mas para os pais.

Livros da colecção Pássaro Livre aqui mencionados:

José Barata Moura, O Coelho Barafunda, ilustrações de Luiz Duran, 2.ª edição, Livros Horizonte, 1979, Lisboa.

Carlos Pinhão, O senhor-que-não-sabia-contar-histórias, ilustrações de Ana Duarte de Almeida, Livros Horizonte, 1984, Lisboa.

Sidónio Muralha, Helena e a Cotovia, ilustrações de Fernando Lemos, Livros Horizonte, 1979, Lisboa.

terça-feira, outubro 24, 2006

O anti-turista


O livro foi-me recomendado há algum tempo. Passo a explicar melhor como veio ele parar à minha estante: mencionei eu, num texto escrito num outro blogue, o Notes From a Small Island, de Bill Bryson (em português, Crónicas de uma pequena ilha, editado pela Quetzal. Se usei o título em inglês é apenas porque foi em inglês que o li), como leitura obrigatória para quem gostasse de livros de viagens. Como comentário ao post, tive também direito a uma sugestão — Lost Cosmonaut, de Daniel Kalder. Depois de ter seguido o concelho e de ter lido o livro, tenho que, antes de mais, agradecer ao José Carlos por me recomendar a sua leitura.

Feitos a apresentação do livro e os devidos agradecimentos, a primeira afirmação, feita assim, taxativamente, é a de que este é o livro de viagens mais divertido que já li e o mais original, por deitar por terra todas as ideias feitas que possamos ter acerca da literatura de viagens. Em primeiro lugar, será conveniente contextualizá-lo quanto ao percurso que o autor nos oferece: Rússia. No entanto, não se trata da Rússia dos guias turísticos. Nada de Moscovo, nada de S. Petersburgo. Na verdade, este é um roteiro assente sobre os princípios do anti-turismo, que, aliás, abrem o livro, para que o leitor tenha, desde logo, uma ideia (uma pequena ideia, porque nada poderia tirar o efeito surpresa que só acaba com o próprio livro) de que tipo de viagem lhe é oferecido. Não resisto a transcrever aqui alguns desses princípios:

The anti-tourist does not visit places that are in any way desirable.

The anti-tourist travels at the wrong time of the year.

The anti-tourist is interested only in hidden histories, in delightful obscurities, in bad art.

The anti-tourist loves truth, but he is also partial to lies. Especially his own.

Se tiverem curiosidade em saber quais são as restantes regras do anti-turismo, podem consultar o site dedicado ao autor e a este seu primeiro livro, ou, ideia que me parece melhor, ler o Lost Cosmonaut. Falemos da primeira das regras transcritas, que não podia ter sido mais levada à letra por kalder. Avisei já que, caso esperem ler sobre uma agradável visita a Moscovo, não é isso que vão encontrar. Pelo contrário, Daniel Kalder parece ter um talento único para escolher sítios ignorados, esquecidos e, claro está, perdidos no meio de nenhures. Se não lesse este livro saberia que Calmúquia (em inglês, Kalmykia) é governada por Kirsan Ilumzhinov, presidente com o hábito peculiar de espalhar outdoors pelas ruas com fotografias suas tiradas ao lado de pessoas famosas, que tanto podem ser o Dalai Lama como o Chuck Norris? Saberia, sequer, alguma coisa sobre a vida em Mari El? Claro que não, obviamente permaneceria na ignorância até hoje.

Por outro lado, se o anti-turista apenas se interessa por factos obscuros acerca dos lugares por ele escolhidos, nada poderia exemplificar melhor o cumprimento desse princípio do que os capítulos dedicados à história, cultura e religião das repúblicas incluídas no itinerário de Kalder. Episódios como o relato da tentativa, falhada, de tentar entrevistar o inventor da AK 47, em Udmurtia, asseguram-nos, do mesmo modo, que o autor é fiel à sua causa anti-turista. De acordo com o propósito do livro e da viagem estão também as fotografias que ilustram o percurso pouco convencional deste escocês, umas vezes mais perdido do que outras, pela Rússia.

Mas, devo confessar, a declaração que mais interesse me suscita é a última, por ser um desafio colocado a quem lê. Da imaginação bastante fértil de Kalder, incentivada pela possibilidade (talvez dever) de, habilmente, fazer da verdade e da mentira dois instrumentos igualmente válidos de escrita, resulta, afinal, um livro que, ao invés de criar desconfiança, cria cumplicidade entre escritor e leitor.


Edição utilizada:
Daniel Kalder, Lost Cosmonaut, Faber and Faber, London, 2006.
(O livro não foi ainda traduzido para português.)
Disponível aqui ou aqui.

sábado, outubro 21, 2006

Da Suécia



Da autora sueca, vencedora do Prémio Nobel da Literatura em 1909, Selma Lagerlöf, foram já traduzidos para português os livros O Cocheiro da Morte, pela Editora Estampa, O Livro das Lendas, pela Editora Livros do Brasil, e, provavelmente o seu livro mais conhecido entre nós, A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson Através da Suécia, pela Relógio D’Água.
Chega agora às livrarias portuguesas, com a chancela da Cavalo de Ferro, A Saga de Gösta Berling, romance datado de 1891. A tradução desta obra de Selma Lagërlof ficou a cargo de Inga Gullander, a mesma tradutora de Herman, do norueguês Lars Saabye Christensen, obra publicada também pela Cavalo de Ferro, em 2004.
Uma vez que ainda não tive oportunidade de ler este livro, não poderei falar sobre ele. Transcrevo apenas parte do que pode ser lido no site da editora sobre A Saga de Gösta Berling.


Obra-prima da literatura europeia, escrito por Selma Lagerlöf, a primeira mulher a ganhar um prémio Nobel de literatura, este romance belíssimo cruza várias épocas e relatos que vão desde a lenda fantástica ao romance psicológico, da aventura histórica à fábula moral. Uma obra que segue a estrutura das sagas nórdicas e retoma de forma inteiramente original o tema do homem dividido entre o bem e o mal.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Notícia: Prémio Nobel da Literatura

O vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 2006 é o escritor turco Orhan Pamuk. No site nobelprize.org encontrarão a biobliografia do autor, incluíndo a lista de títulos publicados em diversas línguas (turco, inglês, francês, alemão e sueco). Caso se queira ler a obra de Orhan Pamuk em português, a escolhas são bem mais limitadas (daí que possa ser útil consultar a lista de livros disponíveis em outras línguas), uma vez que apenas dois dos seus livros foram traduzidos para a nossa língua, ambos publicados pela editora Presença. Talvez surjam, entretanto, mais títulos em português, por conta da atribuição do Prémio Nobel a este autor.

Obras em Português:

A Cidadela Branca e Os Jardins da Memória


No site da Fnac encontram, para além das obras publicadas em português, outros títulos em inglês, francês e em espanhol. Podem também ler o primeiro capítulo de Os Jardins da Memória.

quinta-feira, outubro 05, 2006

Livros insuspeitos

E-books, audiobooks... No meio de tantas reinvenções da leitura, não é difícil que alguns formatos passem despercebidos no meio da azáfama da busca pela novidade. Será que dispensamos tempo suficiente a manusear, a ver, a ler os livros que acompanham a música que ouvimos? Livros e música... Começo a aventurar-me em território pantanoso.
A edição de livros sobre música em Portugal é um assunto penoso. Sente-se mais a sua ausência do que a sua presença. Mas, sobre este assunto, não me quero alongar muito mais, por hoje. Ficará para uma próxima vez, escrito à luz de uma pesquisa em livrarias que ainda não tive oportunidade de fazer exactamente como eu quero, de forma demorada e meticulosa.

Perguntava eu se damos a devida atenção aos livros que acompanham a música que ouvimos. Penso, particularmente, em algumas colecções temáticas, que revelam um cuidadoso plano editorial no que diz respeito à selecção de conteúdos e, igualmente, no que diz respeito ao grafismo. Dois exemplos daquilo a que me refiro hoje são as colecções Let’s jazz e BD Jazz. Refiro estas duas colecções, cuja distribuição esteve a cargo de dois jornais, o Público e o Diário de Notícias, respectivamente, porque, sendo ambas um tributo à história do jazz, têm, no entanto, abordagens distintas. Por outro lado, sendo a componente musical talvez o apelativo mais forte para o público, especialmente no que diz respeito a Let’s Jazz, já que a BD Jazz poderá atrair não só os ouvintes de jazz, mas, também, os leitores de banda desenhada, é minha intenção enfatizar que o que está aqui em causa não é apenas a publicação de música mas, igualmente, de conteúdos sobre música.
BD Jazz, como fica, aliás, evidente pelo nome, alia a Banda Desenhada ao jazz. Em cada volume vemos a vida de um músico retratada através do trabalho conjunto de diversos argumentistas e ilustradores. Esta iniciativa com origem em França, onde é editada pela Nocturne, teve, em Portugal, três edições especiais com trabalhos inéditos de autores portugueses.
Quanto a Let’s Jazz, projecto da responsabilidade de José Duarte (autor que contraria a minha visão pessimista em relação à edição de livros sobre música no nosso país) em parceria com o Centro de Estudos de Jazz da Universidade de Aveiro, é uma colecção com uma organização um pouco diferente. Neste caso, cada volume conta com um texto de um músico cujo trabalho o torna mais apto a falar sobre o papel de determinado instrumento ou músico na história do jazz. Para além da componente textual, existe, nesta colecção, uma forte componente visual, através da reprodução de documentos (fotografias, cartazes, capas de livros, etc.).

Muito embora estas colecções não sejam novidades editoriais e, certamente, sejam do conhecimento de todos, não deixei, mesmo assim, que isso me demovesse de escrever aqui sobre elas. A sua qualidade e o meu gosto pessoal o justificam. Queria, no entanto, realçar que não são os únicos bons exemplos, o que é o mesmo que dizer que não há livros insuspeitos, há, isso sim, livros que às vezes passam despercebidos por não serem pensados como tal.