segunda-feira, janeiro 29, 2007

Quatro livros portugueses em Itália

Excerto de notícia retirado do Diário Digital:

Lídia Jorge, Mário de Carvalho, José Luís Peixoto e Gonçalo M.Tavares vão estar presentes, em Março, em Castel Goffredo, na cerimónia de apresentação de romances da sua autoria candidatos ao prémio literário Giuseppe Acerbi.

Em declarações à agência Lusa, os quatro escritores deram conta da sua intenção de assistir à cerimónia - prevista para 14 de Março - e exprimiram satisfação pela escolha dos seus livros e pelo que isso representa de crescente difusão da literatura portuguesa além-fronteiras, designadamente em Itália.

O prémio literário Giuseppe Acerbi, do nome de um famoso explorador, literato e egiptólogo italiano (1773-1846), começou a ser atribuído em 1993, em cada ano distinguindo um romance de uma determinada literatura, na vertente ficção.

Este ano, o país seleccionado foi Portugal e as obras escolhidas - traduzidas em italiano - foram as seguintes:

-«O vale da paixão», de Lídia Jorge, traduzido por Rita Desti, publicado pela Bompiani. A escritora obteve com este romance vários prémios portugueses, entre os quais o Dom Dinis e o Pen Clube, e um estrangeiro.

-«Um deus passeando pela brisa da tarde», de Mário de Carvalho, com tradução de Antonietta Pinamonti (mulher do director do Teatro Nacional de São Carlos, Paolo Pinamonti), chancela da Instar Libri. Este romance foi galardoado com o Grande Prémio de Romance e Novela da APE e o Prémio Pégaso, entre outros.

- «Jerusalém», de Gonçalo M.Tavares, traduzido por Roberto Mullinaci para a editora Guanda. Galardoado em Portugal com os Prémios Ler e José Saramago, este romance já antes tinha sido seleccionado para um prémio literário em Itália, o Mondelo.

- «Morreste-me», de José Luís Peixoto, traduzido por Giulia Lanciani para La nuova frontiera. O livro obteve em Portugal o prémio Jovens Criadores.

Os quatro escritores têm outros livros traduzidos - ou na iminência de o serem - em Itália.

(...)

Nos termos do regulamento, os quatro romances portugueses seleccionados serão submetidos à apreciação de um Júri Popular, composto por 70 leitores escolhidos entre os inscritos nas bibliotecas da província de Mântua e Brescia, e de um Júri Científico, de que fazem parte jornalistas e professores universitários.

O nome do vencedor será anunciado oficialmente pelos dois júris no dia 14 de Julho, estando a entrega do prémio programada para 09 de Novembro na sede do município de Castel Goffredo.

Diário Digital/Lusa

sábado, janeiro 27, 2007

Colóquio: Racine e a Tragédia

Hoje, dia 27 de Janeiro, pelas 18h, terá lugar na cafetaria do Teatro Municipal de Almada um colóquio dedicado a Racine. A propósito da estreia da encenação de Rogério de Carvalho da peça Fedra, de que já falei aqui no Olho da Letra, o Professor Peixe Dias propõe uma reflexão sobre a Interpretação Moderna da Tragédia.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

Um conto de «Clarín»



Não me recordo já ao certo onde nem quando li pela primeira vez o nome de Leopoldo Alas. Julgo que terá sido no prefácio ou na introdução de algum outro livro que terei lido. Sei, no entanto, que registei o nome do autor e do seu romance La Regenta com o intuito de o ler, mais tarde. Entre nós, A Regenta foi publicado pela editora Terramar. Raramente, porém, se encontra este livro, a não ser nas ditas feiras de livros manuseados. Como achei que seria uma boa oportunidade de aprender mais qualquer coisa, predispus-me a ler o romance na língua em que foi escrito. Ainda assim, pensei que talvez fosse mais prudente habituar-me à escrita de «Clarín» antes de avançar com a leitura de La Regenta. Por isso, decidi ler primeiro os seus contos.

Um dos contos que mais interesse me suscitou foi «Un Jornalero», que, segundo uma nota do editor, terá sido publicado em 1893, incluído num livro de contos intitulado El Señor y lo demás son cuentos. «Un Jornalero» é uma narrativa que, fundamentalmente, se centra sobre o encontro conflituoso entre dois mundos opostos.
Fernando Vidal (o «jornalero» que dá título ao texto) dedica as suas tardes e noites àquela que considera ser a obra, sempre inacabada, da sua vida. Todos os dias, depois das quatro da tarde, e até à noite, ia Vidal para a biblioteca, já fechada ao público, para se dedicar ao trabalho que fazia, não por obrigação, mas quase que por missão. Era assim, solitário e debruçado sobre os volumes da biblioteca, que Vidal examinava antigos códices, tentando ler e pôr a descoberto o que outros não tinham sido capazes de ler ou sequer de procurar.
Mas o que este conto tem de especial reside no seguinte: Fernando Vidal, um homem anónimo (repare-se que o título é «Un Jornalero» e não «Lo Jornalero») e que, aparentemente, nada tem de particular, ao repetir uma actividade quotidiana (muito embora essencial), vê-se, pelo acaso, envolvido em algo que, a seu ver, em nada lhe diz respeito e que não compreende totalmente. Vidal é um homem inteiramente devotado ao trabalho intelectual. Na verdade, este trabalho de pesquisa e de investigação desenvolvido na biblioteca durante a noite é a sua vida, daí que, antes, o tenha adjectivado de “essencial”.
Quando a biblioteca é invadida por um grupo de revolucionários, Vidal não é capaz de deixar o seu trabalho para trás e interpelado pelos homens que ameaçavam a sua vida e a existência da sua fonte de trabalho, a biblioteca, Vidal articula um discurso de defesa, onde a sua obra é colocada por ele nos seguintes termos:

“Éramos tres, mi madre, el trabajo y yo. Hoy ya velamos solos yo y mi trabajo. No tengo más familia. Pasará mi nombre, morirá pronto el recuerdo de mi humilde individuo, pero mi trabajo quederá en los rincones de los archivos, entre el polvo, como un carbón fósil que acaso prenda y défuego algún día, al contacto de la chispa de un trabajador futuro..., de otro pobre diablo erudito como yo que me saque de la oscuridad y del desprecio...” (p.110)

É, justamente, o confronto de argumentos, entre aqueles que querem oito horas de trabalho e o erudito que afirma que não as pede, pois oito horas nunca poderiam ser suficientes para desenvolver a tarefa que tem em mãos, que torna este conto tão particular. A veemência com que a personagem principal defende a biblioteca e, nas suas palavras, a neutralidade das obras que aí se encontram depositadas («La ciencia es imparcial, la historia es neutral ... aquí hay de todo.» p.106), quando defrontado com reivindicações de natureza pragmática, sugere que o conceito de igualdade é um conceito que não tem tendência a excluir, antes a incluir.


Leopoldo Alas, «Clarín», Cuentos, edição de José María Martínez Cachero, 1.ª edição, Nuevas Ediciones de Bolsillo, s.l., 2002.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

Teatro: livros revisitados

Desde Dezembro que planeio ir ao Teatro Municipal de Almada para assistir à peça Fedra, de Racine, levada à cena pela Companhia de Teatro de Almada. Mas, apesar dos meus planos, acaba sempre por acontecer algum imprevisto que me impede de ir ao teatro.
Enquanto não vou ver a Fedra (e esta semana irei com toda a certeza), tenho-me lembrado de outras peças que já tive oportunidade de ver representadas pela CTA. Houve uma altura (há muito tempo atrás) em que pensava que se fosse ver uma peça ao teatro, seria menos provável que depois lesse o texto em papel. Nessa altura, achava que a melhor maneira de ficar a conhecer uma peça seria lê-la antes a ver num palco.
A ideia é completamente falsa, como me foram provando as minhas idas ao teatro e, particularmente, as minhas idas ao teatro em Almada. Aliás, julgo que não houve peça a que eu fosse assistir ao TMA que não tivesse lido depois. É certo que, enquanto leitores, perdemos a possibilidade de fazer a nossa própria encenação mental. As personagens, os cenários, as roupas, tudo isso deixa de poder ser criado por nós, porque, naturalmente, vamos importar para a nossa leitura a encenação a que previamente assistimos. Mas como podemos considerar isto um aspecto negativo, quando a encenação é, aos nossos olhos, perfeita?
Com o propósito adiado de ir ver a peça de Racine, ultimamente tenho revisitado alguns livros cuja leitura foi motivada, justamente, por ter ido ao teatro. Deixo aqui a referência a três desses livros, que correspondem às encenações que mais me marcaram. Deixo também o link para o site do TMA e da CTA, visitem-no e vejam a programação para esta temporada.

Teresa Rita Lopes, Esse Tal Alguém, 1.ª edição, Campo das Letras, Porto, 2001.

Anton Tchékhov, Três Irmãs, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, 1.ª edição, Assírio & Alvim, Lisboa, 1998.

William Shakespeare, O Mercador de Veneza, tradução de Helena Basbas, edição de Extra]muros[ associação cultural para a cidade, s.l., 2002.*


TMA e CTA


* Esta tradução foi feita com o objectivo de o texto ser encenado por Joaquim Benite e representado pelos actores da CTA, como explica a tradutora no início do prefácio a este livro: “A tradução desta peça resultou de um desafio lançado por Joaquim Benite, director da Companhia de Teatro de Almada. Foi uma «encomenda» com a particularidade de permitir encontrar cara a cara as pessoas que iriam encarnar as personagens do papel.” (p.i)

sábado, janeiro 06, 2007

«Contos Hieroglíficos»









Com uma ideia vaga de estar a ler um livro de um escritor e político inglês do século XVIII e utilizando como introdução à leitura apenas a breve informação inscrita na contracapa do livro, comecei a ler os Contos Hieroglíficos de Horace Walpole. Apesar da aparente seriedade crítica contida nas primeiras linhas do prefácio à obra, não demorei muito a compreender qual o verdadeiro tom que marcaria a escrita de Walpole. O espírito crítico de que falava a propósito do início do prefácio, porém, não desaparece, muito pelo contrário. É justamente a crítica que nos guia num universo em que a nossa lógica, a lógica do mundo tal como o conhecemos, é permanentemente alvo de uma desconstrução sem qualquer tipo de restrições. De resto, a epígrafe escolhida pelo autor serve-nos de aviso para o que nos esperará até que terminemos a leitura do último conto: «Schah Baham ne comprenoit jamais bien que les choses absurdes et hors de toute vraisemblance.»
Detenho-me um pouco mais a falar do prefácio por ser um dos textos introdutórios mais desconcertantes (no melhor sentido da palavra) que já li. Walpole começa por apontar o dedo aos seus contemporâneos, com severidade, ao mesmo tempo que enaltece a obra que apresenta:

Dado que a dádiva inestimável que aqui ofereço ao mundo pode não agradar a todos os gostos – devido à seriedade do assunto, bem como à lucidez de raciocínio e à profunda sabedoria contidas nestas páginas – parece-me necessário apresentar uma justificação para a publicação de tal obra em tempos tão frívolos – uma época em que nada merece atenção senão efémeras intrigas políticas, sátiras pessoais e histórias de amor fúteis. A verdadeira razão que me levou a vencer todas as objecções foi apenas esta: preocupava-me a possibilidade de esta obra se perder para a posteridade. (p.11)

Vê-se claramente neste excerto, todavia, que Horace Walpole sabe usar a ironia, e até, por vezes, o sarcasmo com mestria. Depois de discursar sobre o estado da sociedade em que vive e sobre a importância que a sua obra terá, senão no presente, pelo menos para os futuros leitores, o autor passa para outro plano, o plano da edição e da publicação. Fica bem claro que depois de falar Walpole o escritor, tem a palavra Walpole o editor, que, por seu turno, dá a conhecer aos leitores como decidiu publicar este livro e explica quais as razões práticas que o levaram a optar por editar o livro em vários volumes. O nonsense dos textos de Walpole (acerca do qual já tinha sido informada ao ler a contracapa), que já vinha pontuando desde o início a leitura, toma conta deste prefácio a partir do momento em que se começa a discutir uma origem fictícia destes contos e será uma dos traços mais fortes deste livro até ao último ponto final.
Todos os contos me surpreenderam pela combinação de características que já referi – a ironia, o nonsense, o espírito crítico que este livro revela –, mas também, e sobretudo, pela revolução que Walpole opera sobre as formas de narrativa até então usadas. No entanto, devo dizer que o meu conto preferido é «O Rei e Suas Três Filhas». Talvez possa explicar a minha preferência pelo facto de este ser o conto em que o autor mais se dedica a subverter todas as noções de lógica ao mesmo tempo que nos faz compreender que, afinal, muito pouca lógica existe na sociedade quando constantemente adaptamos os seus princípios aos nossos interesses. Deixo aqui um excerto deste conto, mas, se puderem, leiam o livro.

Havia antigamente um rei que tinha três filhas – ou seja, teria tido três filhas, se tivesse tido mais uma. Mas seja por que razão for, a mais velha nunca chegou a nascer. Era extremamente formosa, dotada de uma sagacidade viva e falava francês na perfeição – nisto, todos os autores da época concordavam, e no entanto nenhum deles afirma que a donzela tenha alguma vez existido.
(...) o rei insistia que a filha mais velha fosse a primeira a casar. Ora, como tal pessoa não existia, tornava-se assaz difícil encontrar um pretendente à altura. (...) a nação depressa se dividiu em facções diferentes. Os rezingões, ou patriotas, insistiam que a segunda princesa era a mais velha, pelo que devia ser declarada herdeira legítima. Foi então que o Chanceler-mor declarou que a segunda princesa não poderia de modo nenhum ser a mais velha, já que nunca houve uma princesa-herdeira que falasse com sotaque de Yorkshire, afirmação que o conselho de ministros admitiu ser impossível de responder. (...) Já que, se não havia uma princesa mais velha, e visto que a segunda teria de ser a primeira, pois não havia primeira, e como ela não podia ser a segunda se já era a primeira, daí se concluía, de acordo com todas as noções de lógica, que ela não poderia ser absolutamente ninguém. Daí se concluía, obviamente, que a mais nova deveria ser a mais velha, uma vez que não tinha irmãs mais velhas.
(pp.23-24)