segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Cinema e Literatura




Estreou a semana passada nas salas de cinema portuguesas o filme Little Children, em português Pecados Íntimos. O filme, realizado por Todd Field, é uma adaptação de uma obra homónima do escritor Tom Perrota, livro que agora vou procurar ler com uma dupla intenção: em primeiro a lugar a de conhecer o autor e, em particular, este romance, e em segundo lugar a de fazer a inevitável comparação com a outra obra que nele teve origem.

Curiosamente, a voz do narrador, elemento mais comum na narrativa escrita, é transposta para a adaptação cinematográfica, muito embora se vá fazendo ouvir cada vez menos, à medida que caminhamos para o final desta história. É esta voz que, no início do filme, nos apresenta as personagens para além do que elas aparentam ser.
Toda a acção do filme se desenrola num típico bairro suburbano da América, habitado por famílias aparentemente normais, como se cada pessoa não fosse mais do que aquilo que dela se vê e ouve num contexto de convívio (ou talvez seja mais correcto usar o termo coabitação, por ser uma palavra de sentido mais neutro) social.
Seriam, realmente, famílias compostas por pessoas que poderíamos até considerar banais não fosse o facto de a personalidade de cada um, aquilo que torna cada uma das personagens de algum modo particular e singular, se diluir naquela vida de aparências, de conversas ocas enquanto vêem os filhos brincar no parque. E este perder-se a si próprio naquilo que identificamos como sendo o outro mas que não somos nós resulta numa procura que nem sempre é conduzida pelo bom senso.
Mas uma busca que não é conduzida pelo bom senso não é necessariamente uma busca inútil. Pelo contrário, para as personagens deste filme, as lutas de cada um, diferentes é verdade, são radicais, no sentido em que lutam para descobrir a raiz de alguma coisa que perderam, ou que sabem que precisam de encontrar. Noutros casos, porém, a luta faz-se para reprimir e tentar escapar a um erro (que devemos considerar no sentido de desvio ou falta, e não de engano) de matriz psicológica que interfere na convivência com o outro e que dá origem a uma diferenciação, mais ou menos generalizada, pela negativa.

A dada altura, numa troca de opiniões entre mulheres pertencentes a um clube de leitura, a propósito das diversas leituras que haviam feito do romance de Gustave Flaubert, Madame Bovary, gera-se uma interessante discussão entre duas personagens. Nesta troca de palavras, uma delas representa, através da sua opinião fechada e impermeável a novas ideias, uma sociedade puritana. Sarah, que defende a complexidade de Emma Bovary, oferece-nos, julgo eu, a ideia que define o filme (e o livro?). Todas as procuras, todas as lutas de que falei antes são, afinal, fundamentais, porque guiadas pela «fome»: os seus actos, os de Madame Bovary e os das pessoas que acompanhamos no filme, são guiados pela fome de saber que deve haver mais qualquer coisa que nos está vedada, seja por que motivo for.

1 comentário:

Inês Rosa disse...

Gosto cada vez mais de ler o teu blog :)