segunda-feira, novembro 12, 2007

O espelho de Papini


O terceiro volume da colecção “A Biblioteca de Babel” reúne dez contos de Giovanni Papini, autor esquecido que Jorge Luis Borges recupera também do seu próprio esquecimento.

Diz-nos Borges na introdução a O Espelho que Foge: “À semelhança de Poe, que foi sem dúvida um dos seus mestres, Giovanni Papini não pretende que os seus contos fantásticos pareçam reais. O leitor sente desde o início a irrealidade do ambiente de cada um deles.” De facto, as situações que servem de cenário a cada história não cabem naquilo que identificamos como sendo plausível na nossa realidade. No entanto, os temas abordados nestes contos não nos podiam ser mais próximos: a identidade, o tempo, a vida e a morte equacionadas a partir destes dois vectores fundamentais.

O equilíbrio conseguido entre esta irrealidade e as personagens que não poderiam viver “fora da ficção que sucessivamente vão animando” (ainda usando as palavras de Borges) e as questões já identificadas poderá ser delicado, mas o resultado não deixa de ser extraordinário. E esta eficácia é conseguida sobretudo pela inquietação, que por seu turno é provocada pela percepção de que, neste livro, são abordadas ideias sobre a identidade, sobre a passagem do tempo e sobre a morte que a todos, mais ou menos fugazmente, já passaram pela cabeça, mas que raramente encontramos escritas de forma tão directa, aspecto para que muito contribuirá a escolha do conto como forma de apresentar a narrativa. Caso paradigmático do que falo será o conto “Não quero mais ser aquilo que sou”, em que o narrador compreende que nunca poderá ser outro que não ele e que nunca poderá viver outra vida que não a sua.

Não se pode, julgo, dizer que a perspectiva adoptada por Papini nos seus contos seja pessimista, dever-se-á antes falar de melancolia, seguindo Borges. Mas penso, igualmente, que poderemos falar de aceitação a propósito da forma como Papini aborda os temas de eleição destes seus contos. Porém, não é uma aceitação fatalista, no sentido de que as coisas são como deveriam ser. Há antes uma aceitação no sentido da compreensão de que as coisas são como são (mas, o que são?) e que funciona com ponto de partida para a desconstrução da realidade, obviamente, através do fantástico. Ainda assim, note-se que esta tentativa de perceber o que cada um é e o que é a vida não resulta numa reflexão plácida. Pelo contrário, os caminhos a que essa busca conduz revelam-se, por vezes, de forma dolorosa, senão leiam-se, por exemplo, os contos “A última visita do Cavalheiro Doente” ou “Quem és tu?”. Aqui é colocada em xeque a identidade e, consequentemente, a existência de cada um e de todos como algo que não está na nossa posse, transitando a propriedade daquilo que somos para outros (visíveis ou invisíveis) dos quais não só depende a nossa existência, mas que também fazem de nós o que somos. Por outro lado, em “O espelho que foge” é a própria vida que é vista à luz do absurdo.

Em relação aos contos reunidos neste volume, é difícil, senão injusto, destacar um ou outro, uma vez que eles compõem um conjunto bastante homogéneo, fazendo d' O Espelho que Foge um título que não deve passar despercebido dentro d’ “A Biblioteca de Babel”.

3 comentários:

Anónimo disse...

Também li o livro recentemente. É uma obra fantástica que nos há-de acompanhar a vida toda. É impossível ficar-lhe indiferente.

Já agora os meus parabéns pelo excelente blog que tens.


Ana Maria

Anónimo disse...

Nice post and this post helped me alot in my college assignement. Gratefulness you for your information.

Anónimo disse...

O que um bom post. Eu realmente gosto de ler esses tipos ou artigos. Eu não posso esperar para ver o que os outros têm a dizer.