domingo, março 23, 2008

Bruaá Editora


Amanhã, dia 24, podem assistir ao lançamento de uma nova editora dedicada à literatura infanto-juvenil. O primeiro título a ser publicado pela Bruaá é A Árvore Generosa, da autoria de Shel Silverstein e já traduzido em trinta línguas, desde a sua primeira edição, em 1964. A apresentação da Bruaá e do livro A Árvore Generosa terá lugar na Sede da Liga para a Protecção da Natureza, pelas 18h30. Se quiserem ficar a conhecer melhor este projecto, podem também visitar o site http://www.bruaa.pt/ e o blogue http://bruaa-editora.blogspot.com/.


sexta-feira, março 21, 2008

Dia da Poesia

Para além dos eventos que se multiplicam um pouco por todo o país, não haverá certamente melhor forma de comemorar o Dia da Poesia do que ler poesia e, porque não, ouvi-la também. Deixo aqui o Black Rook on Rainy Weather, da Sylvia Plath, com o link para poderem ouvir a própria Sylvia Plath a declamar este poema.

Black Rook in Rainy Weather

On the stiff twig up there
Hunches a wet black rook
Arranging and rearranging its feathers in the rain.
I do not expect a miracle
Or an accident

To set the sight on fire
In my eye, nor seek
Any more in the desultory weather some design,
But let spotted leaves fall as they fall,
Without ceremony, or portent.

Although, I admit, I desire,
Occasionally, some backtalk
From the mute sky, I can't honestly complain:
A certain minor light may still
Lean incandescent

Out of kitchen table or chair
As if a celestial burning took
Possession of the most obtuse objects now and then –
Thus hallowing an interval
Otherwise inconsequent

By bestowing largesse, honor,
One might say love. At any rate, I now walk
Wary (for it could happen
Even in this dull, ruinous landscape); skeptical,
Yet politic; ignorant

Of whatever angel may choose to flare
Suddenly at my elbow. I only know that a rook
Ordering its black feathers can so shine
As to seize my senses, haul
My eyelids up, and grant

A brief respite from fear
Of total neutrality. With luck,
Trekking stubborn through this season
Of fatigue, I shall
Patch together a content

Of sorts. Miracles occur,
If you care to call those spasmodic
Tricks of radiance miracles. The wait's begun again,
The long wait for the angel,
For that rare, random descent.

Sylvia Plath


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A Gralha Negra em Tempo de Chuva

Lá no alto, num ramo firme
arqueia-se uma gralha negra toda molhada
arranjando e voltando a arranjar as penas à chuva.
Não espero qualquer milagre
nem nada

que venha lançar fogo à paisagem
no interior dos meus olhos, nem procuro
mais no tempo inconstante qualquer desígnio,
mas deixo as folhas manchadas cair conforme caem,
sem cerimónia ou maravilha.

Embora – admito-o – deseje
ocasionalmente alguma resposta
do céu mudo, não posso honestamente queixar-me:
uma certa luz pode ainda
surgir incandescente

da mesa da cozinha ou da cadeira
como se um fogo celestial tornasse
seu, de um instante para outro, os mais estranhos objectos,
assim consagrando um intervalo
de outro modo inconsequente

para nos dar grandeza e glória,
ou até amor. De qualquer modo, caminho agora
atenta (pois isso poderia acontecer
mesmo nesta paisagem triste e arruinada); descrente,
mas astuta, ignorante

de que um anjo se decida a resplandecer
repentinamente a meu lado. Apenas sei que uma gralha
ordenando as suas penas negras pode brilhar
de tal maneira que prenda a minha atenção, erga
as minhas pálpebras, e conceda

um breve repouso com medo
de uma neutralidade total. Com sorte,
viajando teimosamente por esta estação
de fadiga, acabarei
por juntar um conjunto

de coisas. Os milagres acontecem
se gostares de invocar aqueles espasmódicos
gestos de luminosos milagres. A espera recomeçou de novo,
A longa espera pelo anjo,
por essa rara, fortuita visita.

Poema retirado de Pela Água, Sylvia Plath (edição bilingue), tradução de Maria de Lourdes Guimarães, Assírio & Alvim.

Feira do Livro


Até ao próximo dia 2 de Abril, podem visitar a feira do livro manuseado da Assírio & Alvim, na Rua Passos Manuel.

quinta-feira, março 20, 2008

Livros de Seda


Respondendo ao comentário deixado pela Lu no último post, é verdade que o olho da letra tem andado desaparecido. Não é que tenha andado afastada dos livros, muito pelo contrário, tenho andado muito ocupada a revê-los. Espero que a partir de agora o blogue vá sendo actualizado com novas leituras. Ainda assim, a ausência tem uma justificação, e uma boa justificação.

Para os mais distraídos ou ocupados, aqui fica a notícia do nascimento de uma nova editora, a Livros de Seda. Esta editora "para mulheres. A primeira do género", como assina, vem preencher um espaço até agora vazio no nosso panorama editorial, dedicando-se à leitura no feminino. No entanto, não se deixem enganar, não pensem que aqui vão encontrar obras de e para mulheres encerradas num universo quase hermético. Pelo contrário, o que melhor poderá descrever a Livros de Seda é a multiplicidade de vozes, de escritas, de leituras. A multiplicidade é uma das características das mulheres, poderia uma editora a elas dedicada ser diferente?

Os primeiro quatro títulos da Livros de Seda já estão disponíveis nas livrarias e podem também visitar o site em http://www.livrosdeseda.pt/

quarta-feira, dezembro 19, 2007

Duas sugestões para o Natal

Nesta época, vemos os escaparates das livrarias carregados por novidades editoriais a competir pela atenção daqueles que procuram nos livros a prenda ideal. A menos de uma semana do Natal, deixo apenas uma pequena nota para chamar a atenção para dois dos títulos que não devem passar despercebidos.


Titânia (edição especial), Mário Cesariny, ilustrações de Cruzeiro Seixas, Assírio & Alvim, 2007.

Um dos livros que não devem deixar de procurar nas livrarias é a edição especial de Titânia de Mário Cesariny. Passado um ano sobre a morte de uma das figuras maiores da nossa literatura, a Assírio & Alvim publica uma nova edição de Titânia, com ilustrações de Cruzeiro Seixas, também ele um dos nomes que fizeram o Surrealismo português. Embora no site da editora encontremos a informação de que o livro não está disponível, é possível encontrá-lo na Fnac e, talvez, noutras livrarias.



Orlando Furioso, Ludovico Ariosto, tradução de Margarida Periquito, com ilustrações de Gustavo Doré, Cavalo de Ferro, 2007.

O Olho da Letra não podia deixar passar despercebida a edição da primeira tradução (do original, nunca é de mais realçar) para português de Orlando Furioso, tarefa que ficou a cargo da tradutora Margarida Periquito. Finalmente, podemos ler o poema épico de Ludovico Ariosto na nossa língua e numa edição cuidada da Cavalo de Ferro, que conta ainda com ilustrações de Gustave Doré. Bebendo na tradição épica dos poemas homéricos, mas não deixando de reprentar o espírito de emulação característico da estética literária da época em que foi escrito (século XVI), o poema de Ariosto foi um dos modelos de Camões. Por isso, quem leu Os Lusíadas irá certamente encontrar novas pistas de leitura que enriquecerão a epopeia portuguesa.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Byblos


É hoje inaugurada a maior livraria do País, a Byblos. A partir de amanhã de manhã, a Byblos estará aberta ao público. Se quiserem ficar a saber mais sobre o ambicioso projecto de Américo Areal, não deixem de visitar o blogue dos Booktailors, em http://www.blogtailors.blogspot.com/, onde têm vindo a ser publicados vários posts sobre este conceito inovador de livraria.

Para assinalar o acontecimento, deixo aqui o artigo de Isabel Coutinho sobre a nova livraria, publicado na edição on-line do Público.

Grande aposta em catálogo de 150 mil títulos
Byblos, a maior e mais moderna livraria portuguesa é hoje inaugurada em Lisboa

A inauguração da maior livraria portuguesa, a Byblos, um sonho antigo de Américo Areal, ex-dono das Edições Asa, está marcada para esta noite só para convidados. A livraria abre ao público amanhã, às 10h.

É um espaço gigantesco - 3300 m2 distribuídos por dois andares - e aposta no fundo editorial. Vai ter entre 120 mil e 150 mil títulos. Além de livros, a Byblos vende revistas, CD, DVD, merchandising relacionado com o livro, gifts (canetas, luzes de leitura, etc.) e tem um game center (espaço com videojogos). Ao lado das novidades, estão livros, discos, jogos e filmes que saíram há mais de seis meses e hoje são difíceis de encontrar no mercado.

É uma livraria "inteligente": usa as novas tecnologias para dar conforto ao cliente, que pode começar a gerir a sua lista de compras a partir de casa (através do site www.byblos.pt). Cada cliente terá um cartão Byblos que pode ser carregado no multibanco para compras na livraria ou no site.

Quando o PÚBLICO visitou a Byblos as tecnologias ainda não estavam a funcionar. Mas a estante robotizada com 65 mil títulos (a pesquisa faz-se num computador) já estava instalada.

Os produtos à venda estão espalhados por prateleiras, mesas, vitrinas, gavetas como em qualquer livraria. O que é inovador na Byblos é o seu mobiliário integrar um software que ajuda na localização dos livros através de etiquetas RFID - Identificação por Radiofrequência. Cada livro terá uma etiqueta electrónica que está relacionada com outra que assinala determinado lugar na prateleira. Se o livro for colocado fora do seu sítio, o sistema central detecta o erro (as prateleiras têm antenas) e envia uma mensagem de e-mail para o computador do empregado responsável por essa área na livraria. Ele tem dez minutos para colocar o livro no lugar certo.

Por sua vez, os clientes podem fazer pesquisas nos 34 ecrãs tácteis espalhados pela livraria e ficar a saber a localização exacta dos produtos que procuram. Um papel com as referências da localização é impresso pela máquina. Informações com tops de vendas, promoções e agenda aparecem nos 54 ecrãs LCD da livraria. À saída, basta ao cliente pousar os livros na caixa de pagamento (numa pilha até 80 cm de altura) e o sistema lê o conjunto de compras (através da radiofrequência) sem ser necessário passar um a um.

A Byblos tem ainda um auditório para 137 pessoas sentadas, camarim e gabinete de primeiros socorros. Na cafetaria vão servir refeições ligeiras.

A livraria vai funcionar de segunda a sábado, das 10h às 23h e ao domingo das 10h às 13h. Tem acessos pela Rua Carlos Alberto Mota Pinto, n.º 17 e pela Rua Joshua Benoliel (Amoreiras). Uma das portas dá directamente para a zona das crianças, com um barco (tem sino, leme, velas) e uma árvore com uma casa de madeira. Ali é possível brincar com jogos interactivos criados pela YDreams. Outra entrada dá para o quiosque, 280m2 com jornais e revistas especializadas.

Quatro milhões de euros

"Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de livraria", lê-se numa das paredes, e a felicidade para o dono da livraria será quando "as pessoas pensarem em livro, pensarem na Byblos". Areal vendeu a sua empresa ao grupo de Paes do Amaral e investiu quatro milhões de euros neste projecto. Para o ano quer inaugurar uma Byblos no Porto e construir uma cadeia de livrarias no país. "Hoje o livro está disponível em gasolineiras, estações de CTT, hipermercados, tabacarias. Mas quanto mais próximo, menor é a oferta", explica. "Por isso surge a tendência oposta, a das cadeias de grandes livrarias." Em França, em 2004, faliram centenas de pequenas livrarias mas a megalivraria cresceu 5,6 por cento.

"Há um vastíssimo público que não encontra resposta para as suas necessidades. Quer dar aos seus filhos o que gostou de ler e não encontra. Em todo o lado há livrarias de fundo editorial. Não seria a altura de aparecer uma em Portugal?", afirma Areal. Para o livro estrangeiro, têm acordos internacionais e na edição portuguesa andam "à pesca" dos editores mais pequenos e da edição de autor. "Quem tiver um livro venha ter connosco porque o queremos ter disponível quer fisicamente quer na Internet", pede.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Lançamento: "O Rei na Barriga"


Terá lugar amanhã, dia 5, o lançamento do novo livro de Alexandre Parafita, O Rei na Barriga, dedicado à literatura de tradição oral. A apresentação da obra, editada pela Âmbar, decorrerá na Biblioteca Municipal de Gaia.

"Bilhete de Identidade"


Num país sem tradição memorialística, como é o caso português, no qual as memórias representam sobretudo a justificação de acções pretéritas, procurei apresentar a minha vida friamente. O facto de ter tentado registar tudo aquilo que vivi pode criar a ilusão de objectividade, mas é evidente que cada um cria a «sua» própria história e a da «sua» família.

O excerto, retirado da introdução à autobiografia de Maria Filomena Mónica, explica claramente o que se pode encontrar em Bilhete de Identidade – uma tentativa de que a objectividade presidisse à escrita destas memórias. Não obstante, a objectividade é aqui evocada não no sentido de filtrar o passado, mas no sentido de não retirar ou incluir episódios da vida por autocensura ou por outra qualquer razão. Todavia, e como se explicita na segunda parte do excerto, dificilmente poderá alguém rever a sua vida sem mácula de subjectividade. Maria Filomena Mónica não é excepção, como ela própria adverte o leitor ao afirmar que este não encontrará no seu livro a Verdade, mas apenas a sua verdade.

Ora, a falta de “tradição memorialística” a que alude a autora tem consequências também na forma como lemos um género não muito usual na nossa língua. Nos primeiros capítulos, foi comum não ver com bons olhos certas passagens, principalmente quando começaram a aparecer referências às “criadas” da família Mónica, termo que sempre me pareceu insultuoso. Depois, com a descrição da vida escolar, também senti que havia ali uma ponta de orgulho injustificada, já que a rebeldia à instituição não lhe seria perdoada se ela não proviesse de uma família como a sua. No entanto, trocando impressões com o amigo que simpaticamente me emprestou o livro, consegui aplacar a tentação de ver as memórias de outra pessoa apenas com os meus olhos. O conselho de enquadrar Maria Filomena Mónica no seu contexto foi seguido, o que me permitiu ler o livro com objectividade, definitivamente mais necessária do lado do leitor do que do lado do escritor, neste caso.

Muito embora não seja uma leitora assídua de biografias ou de autobiografias, julgo que a premissa de que partiu a autora de publicar o seu livro “sem medos, nem sentimentalismos” beneficia sobretudo o leitor. Ainda assim, e ironicamente, o tom excessivamente sentimentalista que marca as páginas em que Maria Filomena Mónica fala do seu casamento, principalmente no capítulo dedicado ao seu fim, prejudica o livro no seu todo por lhe quebrar o ritmo.

Não obstante, estas memórias ganham um novo fôlego com a ida de Maria Filomena Mónica para Inglaterra, até porque, a partir deste ponto, a vida da autora se vai cruzando de forma mais intensa com a vida política nacional. Com a Revolução de Abril, temos a possibilidade de ver esse cruzamento entre a vida pessoal da autora com a agitação social e política que marcou Portugal e, aqui sim, talvez pelo tempo já passado, é-nos dada uma visão desse período sem sentimentalismos.

Maria Filomena Mónica, Bilhete de Identidade: memórias 1943-1976, Alêtheia Editores, 2006.

domingo, dezembro 02, 2007

Livros na Gulbenkian


Até ao próximo dia 23 de Dezembro, decorre, na Fundação Calouste Gulbenkian, a terceira edição da "Festa dos Livros Gulbenkian". Para além de poderem adquirir a preços especiais os livros editados pela Fundação, podem ainda assistir ao lançamento da Fotobiografia de Amadeo de Souza-Cardoso e ao ciclo de conversas "O meu livro Gulbenkian", que contará com a presença de vários convidados.
Para mais informações, consultem o site da Fundação Calouste Gulenkian.

terça-feira, novembro 27, 2007

Fios invisíveis


O mais recente livro de Jacinto Lucas Pires, mais uma vez uma edição da editora Cotovia, é o resultado de uma estadia do autor na Ledig House International Writers Residency, em Nova Iorque, tendo sido esta a cidade escolhida para servir de cenário à história, ou histórias, de Perfeitos Milagres.

É, portanto, em Nova Iorque que vamos encontrar três núcleos de personagens que acabam por se cruzar. A primeira parte do livro, intitulada “Personagens” serve, justamente, para nos apresentar a Trick Watso, estrela pop mundial; Carlos Abroso, jornalista de um canal de televisão português; e o efémero O Grupo, composto por quatro actores: Violet, Jill, Grossman e Velasquez.

Trick está a tratar da orquídea na sala quando ouve o som. Dizem que há quem o confunda com o estrondo de uma porta, um barulho na televisão, um escape de automóvel, mas Trick Watso, a estrela planetária da pop, percebe logo que é um tiro.

Assim começa Perfeitos Milagres, pelo fim. O tiro de que fala o excerto é o tiro que Kim, mulher de Trick, dispara contra ela própria. A morte, aliás, é omnipresente no romance, embora não a narrativa não se centre nela. O tema ligado à morte recorrente no livro, é, pelo contrário, a reacção das personagens às mortes que as afectam, ou seja, as histórias acabam por se centrar nas diferentes formas encontradas para sobreviver perante a morte. Em Trick, a reacção à morte da mulher passa por se livrar de um Trick fabricado, ironicamente, fabricando uma outra identidade que lhe permita ser de novo anónimo. Além disso, a morte de Kim traz o fantasma de outra morte (de outro suicídio) que ele julgava enterrada na sua própria memória, a da mãe. É procurando compreender o que aconteceu quando ainda era Theodore, que Trick procura sobreviver a mais uma perda.

Uma outra morte assinala o fim da apresentação das personagens: o fim d’O Grupo. Constituído por quatro actores visionários, que pretendem descontextualizar o teatro tirá-lo do palco e levá-lo para o quotidiano das pessoas, O Grupo actua em entradas de hotéis, ou no meio de transeuntes na rua. No entanto, parecem falhar no principal: conseguir uma reacção das pessoas, conseguir provocá-las de modo a interromper-lhes o fluxo ininterrupto e sempre igual do correr dos dias.

Apesar de a acção se situar em Nova Iorque, o autor quis que houvesse um elemento português no seu romance e, assim, talvez se explique a personagem de Carlos Abroso. Todavia, a sua presença apenas me parece justificada na relação que mantém com outras personagens, não sendo, por si só, uma personagem interessante. Carlos parece antes uma sombra que se vai cruzando com as outras personagens.

Ainda no que diz respeito ao espaço do romance, decorrendo a acção na Nova Iorque pós-11 de Setembro, não é de surpreender que a actualidade irrompa com mais ou menos relevância na narrativa. Referências, normalmente bastante directas, à guerra, ao terrorismo, à paranóia ou a referência à situação dos suspeitos de terrorismo presos pelo governo americano são questões que também encontram aqui lugar.

Mais uma vez, os universos do cinema e do teatro, tão caros ao autor (como já tinha referido numa outra ocasião a propósito do seu livro de viagens Livro Usado), continuam a ser uma marca (bem presente) da escrita de Jacinto Lucas Pires. Nas descrições das personagens, que muitas vezes nos fazem lembrar indicações de um encenador ou realizador, ou na descrição de espaços (principalmente exteriores), em que parece estarmos a acompanhar os planos captados por uma câmara, torna-se bastante evidente que a componente visual é um dos ponto fortes de Perfeitos Milagres. Em relação ao teatro, essa presença é ainda mais evidente, como se verá, já perto do fim, em “Textos”.

Não obstante, o que mais me agradou neste romance foram sem dúvida os pormenores, as ligações que se vão fazendo entre as personagens e que não passam pela presença de umas perante as outras. São pequenas coisas (ou grandes) para se ir descobrindo durante a leitura. Mas estas ligações, este “bailado de fios invisíveis”, para usar uma expressão do livro que é também uma desses fios a descobrir, revelam, afinal, a mão criadora – uma das surpresas do livro a ser descoberta em “Autobiografia”.


Jacinto Lucas Pires, Perfeitos Milagres, Livros Cotovia, 2007.