sábado, março 17, 2007

Camões II



Já tive oportunidade de falar aqui da necessidade de haver mais trabalhos de divulgação e, também, de desmistificação de autores e obras clássicos da literatura portuguesa. Fi-lo a propósito de um pequeno livro de Aníbal Pinto de Castro sobre a vida e obra de Camões. Com intenção semelhante, destaco hoje a edição de Filodemo, do poeta Luís de Camões. Justamente, para lembrar que Camões não é só o poeta, a edição deste texto um pouco esquecido, até mesmo por pessoas mais ligadas à área da literatura, é de grande importância.

A comédia Filodemo é uma das incursões de Camões pelo género dramático que para além de permanecer, como já referi, esquecida, é, seguramente, ignorada por todos aqueles que apenas associam Camões a títulos como Os Lusíadas, ou a versos como Descalça vai para a fonte / Leanor pela verdura. Por outro lado, trata-se de um texto que tem gerado opiniões contraditórias junto da crítica e dos estudiosos. Como explica José Camões na «nota introdutória»:

O Auto ou Comédia de Filodemo, ou simplesmente Filodemo, (há até quem lhe chame Tragicomédia) tem levado a crítica a sentidos diametralmente opostos, desde ser considerado do melhor de Camões até ao pior. O facto é que a História do Teatro o ignora quase por completo e a História da Literatura pouco lhe tem ligado (…) Filodemo é, pois, por várias razões, o parente pobre do teatro de Camões: o que, até agora, menos vezes foi na íntegra objecto de trabalho teatral (…), o que menos edições conheceu, o que menos bibliografia originou e o único para o qual não foi encontrada uma fonte directa que satisfizesse plenamente o crítico mais afoito. (p.9)

A edição de Filodemo de que aqui falo, publicada com a chancela da Cotovia, em 2004, coincidiu e está relacionada com a encenação que Luís Miguel Cintra concebeu para esta peça, levada ao palco do Teatro do Bairro Alto nesse mesmo ano. Responsável por esta edição do texto quinhentista, José Camões abraçou a complexa tarefa de utilizar como fonte o testemunho manuscrito da comédia. De notar que a mais recente edição de Filodemo é amplamente acompanhada de notas e de um glossário, ficando deste modo demonstrado o cuidado que José Camões teve em acompanhar o leitor pouco ou nada familiarizado com o português do século XVI. Afinal, os leitores de teatro quinhentista não têm que estar confinados às paredes das faculdades de letras. Nós só podemos escolher ler o que conhecemos e o que nos é acessível.

Luís de Camões, Filodemo, edição de José Camões, Edições Cotovia, Lisboa 2004.

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